Os assuntos relacionados às mudanças climáticas se tornaram comuns para as pessoas, principalmente nas últimas décadas, ocupando o espaço em documentários, reportagens e filmes. Não podia ser diferente, as mudanças climáticas têm o potencial de modificar profundamente nossas vidas, e vários aspectos relacionados a elas, são sentidos por populações humanas e ecossistemas no planeta.

Mas os debates em torno das mudanças climáticas, mesmo no meio científico, ainda são envolvidos por muitas questões sem respostas e geram dúvidas e desconfiança para uma grande parcela da população, que chega a negá-la.
As mudanças do clima são comuns na história do planeta Terra, principalmente quando consideradas magnitudes de tempo na ordem de milhares, milhões e até bilhões de anos, muito distantes da realidade temporal humana. Isso causa uma falsa impressão de um planeta imutável, que somente agora, está se transformando, o que é muito diferente da realidade.
No início da sua formação, há mais de quatro bilhões de anos atrás, a Terra não possuía atmosfera. Isso acontecia porque os gases exalados das erupções vulcânicas eram expulsos para o espaço, sob influência dos ventos solares. A criação do campo magnético terrestre gerou um escudo de proteção contra os ventos solares e permitiu que os gases permanecessem no planeta.
A existência da atmosfera mudou definitivamente as condições na Terra. Gases como o dióxido de carbono, o vapor d’água e o metano, permitiram que a Terra retivesse parte da radiação e do calor que chegava de um sol, ainda jovem e um pouco mais frio, criando o “efeito estufa”. A existência dos gases do efeito estufa, foi fundamental para a evolução física do planeta e gerou condições para o estabelecimento da vida e a sua evolução.

Durante os bilhões de anos que se seguiram, as mudanças climáticas foram uma constante na história da Terra, com períodos de frio extremo, alternados com episódios em que a atmosfera se tornava mais quente.
A partir do estabelecimento da vida, foi criado um equilíbrio dinâmico entre o interior do planeta, a litosfera (a casquinha mais superficial do planeta), a atmosfera e a biosfera.
Em linhas gerais, o lançamento de gases do efeito estufa pelos vulcões, permite o acúmulo deles na atmosfera e induzem o aquecimento do planeta No entanto, organismos que fazem a fotossíntese, como as cianobactérias, que estão presentes a bilhões de anos na Terra, retiram o CO2 da atmosfera, ajudando o planeta a se resfriar. O CO2 é convertido em carbonato de cálcio pelas bactérias ou acumulado como carbono orgânico ou hidrocarbonetos nos sedimentos lamosos, fixando-se na litosfera ou voltando para o manto terrestre, nas zonas de convergência de placas tectônicas.
Posteriormente, com o surgimento das plantas terrestres, uma grande quantidade de CO2 atmosférico passou a ser retirado por elas. Uma outra forma de retirada do CO2 era através da chuva, que convertia o gás em um ácido fraco, responsável por intemperizar as rochas, levando todo esse material para os oceanos antigos.

Mas as causas das mudanças climáticas não se restringem apenas a fatores intrínsecos à Terra: padrões cíclicos de resfriamento e aquecimento, além de variações nos níveis dos oceanos da Terra, presentes no registro geológico mundial, indicam que as mudanças climáticas são induzidas em alguns momentos por variações na órbita do planeta, mudanças na intensidade da energia térmica que chega do sol e até por grandes quantidades de poeira vulcânica lançadas na alta atmosfera.
O registro geológico também sugere, em vários momentos, períodos muito intensos de frio. No Neoproterozóico, por exemplo, entre 720 a 630 milhões de anos atrás, a Terra ficou quase que completamente coberta por gelo e neve, evento conhecido como a Terra bola de neve.
Mais recentemente, após um ótimo climático no Cretáceo e início do Cenozóico, a Terra começou novamente a se resfriar, há cerca de 33 milhões de anos atrás. Por volta de 12 milhões de anos o escudo de gelo da Antártica Oriental iniciou a sua formação e em torno de 3 milhões de anos, a calota de gelo da Groenlândia atinge seu ápice.
A tendência ao resfriamento estende-se ao Quaternário, período geológico mais recente, alternando picos glaciais, responsáveis pelo estabelecimento de grandes geleiras nas regiões montanhosas do mundo, com períodos ligeiramente mais quentes. As mudanças climáticas do Quaternário alteraram significativamente a cara do nosso planeta. Durante os máximos glaciais, o rebaixamento no nível dos oceanos permitiu uma ampla migração e dispersão de fauna, flora e do homem pelos continentes.
Após o último máximo glacial do Quaternário, há cerca de 12 mil anos atrás, a Terra iniciou novamente o aquecimento atmosférico, o que em termos geológicos é bem recente. Seguindo essa lógica, é natural pensar que a tendência ao aquecimento atmosférico é um caminho inevitável, e é sobre esse fato que os negacionistas das mudanças climáticas fundamentam seus argumentos.
Ainda que o planeta esteja com uma tendência natural em se aquecer, o homem tem retirado sua capacidade de se auto regular. Em outras palavras, retiramos o carbono que está aprisionado na litosfera, nos solos e na biosfera, como matéria orgânica, carbonato e principalmente combustíveis fósseis e os lançamos em quantidades enormes na atmosfera, numa taxa muito maior, do que a natureza é capaz de absorver.
Parte das dúvidas em relação às mudanças climáticas que pairam ainda na comunidade científica, são relacionadas principalmente às tendências futuras, de aquecimento atmosférico absoluto e tendências no aumento dos níveis dos oceanos globais.

Segundo o relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, de 2019 até 2050 o planeta possivelmente atingirá a marca de 1,50C acima das médias de temperatura registradas no período pré-industrial. Parece pouco, mas essa mudança tênue nas médias de temperaturas globais, são suficientes para gerar impactos profundos.
Alguns efeitos diretos, para citar alguns, relacionam-se com ondas de calor em regiões mais frias, retração das capas de gelo dos polos, mudanças nos períodos de congelamento dos mares nas regiões polares, elevação dos níveis dos oceanos, prolongamento ou encurtamento de estações chuvosas pelo mundo, floração precoce de plantas e emergência nas populações de insetos, em algumas regiões do planeta.
Segundo pesquisas científicas divulgadas no site da ONG brasileira “Observatório do Clima”, a calota de gelo perene da Groenlândia já perdeu uma parte considerável da sua massa, com dois picos de derretimento, em 2012 e 2019. Um estudo divulgado pela revista Nature no ano de 2020, mostrou que a perda de gelo nos pólos e nas geleiras das altas montanhas, foi responsável desde o ano de 1900, pela subida de cerca de 21 cm no nível dos oceanos do mundo.
Evidências mostram que vários povos nômades, têm sentido os efeitos das mudanças climáticas de forma catastrófica em suas vidas e culturas. Em regiões da Etiópia e Somália, povos antes adaptados a estações secas que ocorriam em intervalos de seis anos a até uma década, agora sofrem com períodos secos anuais. Na Mongólia, o inverno nas estepes têm sido tão intensos, que as criações dos pastores estão sendo dizimadas gradativamente, obrigando a migração dos povos nômades para as cidades.
Isso só para citar alguns dos efeitos das mudanças climáticas. Esses efeitos normalmente são relativizados por grande parte da população mundial concentrada nas bolhas urbanas, onde essa realidade parece não existir.
Os efeitos indiretos são imprevisíveis na sua totalidade. Mudanças sensíveis nas temperaturas mundiais, podem, por exemplo, modificar os sistemas de circulação das correntes oceânicas, atingindo grandes depósitos de gás metano (um gás do efeito estufa), congelados no fundo dos oceanos, com potencial de lançar milhões de toneladas deste gás na atmosfera.

Mas o que podemos fazer para minimizar esses efeitos nas nossas vidas? Iniciativas pessoais são importantes, como a diminuição no consumo de produtos que contribuam direta ou indiretamente para emissões de gases do efeito estufa, redução no uso de combustíveis fósseis (como a gasolina e o diesel), diminuição do consumo de carnes e madeiras nativas, entre outras coisas.
No entanto, também é importante o envolvimento de governos e a mudança de paradigmas econômicos e sociais. É fundamental que os países, principalmente os mais desenvolvidos, dêem o exemplo e liderem iniciativas de erradicação da pobreza, consumo consciente, mas principalmente de mudanças na matriz energética mundial.
Os hidrocarbonetos, principalmente o petróleo, são recursos nobres, usados em diversas aplicações na indústria, por exemplo, em medicamentos, borrachas sintéticas, lubrificantes, até resinas e fibras sintéticas de alta performance. Queimar petróleo e gás natural em motores à explosão não é uma alternativa viável e inteligente na Terra do século 21.
Texto e fotos: Caio Turbay – Geólogo e professor da UFSB (Universidade federal do Sul da Bahia)
Para saber mais:
1- https://www.oc.eco.br/groenlandia-dobrou-perda-de-gelo-em-2019/
2- https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1029/2020GL087291
3- https://www.nature.com/articles/s41586-020-2591-3
4-https://www.ecodebate.com.br/2011/02/01/povos-nomades-as-primeiras-vitimas-do-aquecimento-global/
5- https://www.jstor.org/stable/26058566?seq=1
6- https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/07/SPM-Portuguese-version.pdf