Tudo Começou Quando uma Árvore me Chamou

Anos atrás, em 1999, no início de minha primeira peregrinação de 800 quilômetros a Santiago de Compostela, a caminho da fronteira entre Espanha e França, tive que parar por algumas horas na cidade de Pamplona. Era um momento muito emocionante de minha vida. Eu tinha 26 anos, estava prestes a iniciar uma longa viagem que faria a pé e sozinha, com apenas uma mochila nas costas, sem data prevista para acabar. Como sempre é na vida quando começamos algo novo, eu sentia de tudo: coragem, medo, curiosidade, entusiasmo, vulnerabilidade.

Enquanto esperava por um ônibus que me levaria até a próxima cidade, resolvi descansar em um parque próximo à estação. Como fazia calor, andei um pouco até ver uma árvore, frondosa e aconchegante, sob a qual pude então me sentar e relaxar um pouco à sombra. Comi um sanduíche e me permiti pensar pela primeira vez naquele dia no fato que estava a ponto de atravessar a Espanha a pé e sozinha. Pensei em minha vida, em tudo que havia vivido e me possibilitou chegar até aquele momento. Acabei me emocionando e chorando tanto que adormeci de cansaço. Quando acordei, me sentia muito melhor. Levantei e fui às pressas para a estação.

Dias depois, já em meio à peregrinação, voltei a passar por Pamplona, mas daquela vez eu estava a pé e já era oficialmente uma peregrina. Qual não foi minha surpresa, ao seguir as indicações do Caminho, de me ver, de repente, diante da mesma árvore sob a qual havia chorado e dormido alguns dias antes! Pintada sobre ela havia uma das tantas flechas amarelas que guiam os peregrinos e os ajudam a não se perder, que eu nem mesmo havia notado na primeira vez. Entendi subitamente que eu já estava no Caminho antes mesmo de saber que nele estava! Tirei a mochila, sentei novamente sob a árvore e, mais uma vez, chorei, só que desta vez de reverência e gratidão por aquela árvore que tinha curado meu choro e me ensinado minha primeira grande lição de amor de uma viagem que transformou minha vida. Eu não estava sozinha. Uma árvore tinha me chamado e me ajudado.

A partir daquele dia, ao longo de toda a peregrinação e nos próximos anos de minha vida, volta e meia me senti “chamada” por árvores e sempre tive a nítida impressão que elas me ajudavam, me acolhiam, me amavam. Anos depois, no lugar onde moro, em Arraial d’Ajuda, comecei a sentir um crescente desconforto porque percebi que estavam cortando cada vez mais árvores. Para mim, sempre foi muito clara a correlação entre a destruição da natureza e a falta de qualidade de vida, a grande incidência de doenças e desequilíbrios de todos os tipos. Falei com amigos que estavam sentindo o mesmo. Ficou claro que, se ninguém fizesse nada, em pouco tempo destruiriam a natureza desse lugar que tanto amamos, como aconteceu em muitas outras cidades do país. Um dia, depois de ler mais uma de não sei quantas denúncias de corte abusivo e impune de árvores nas redes sociais, algo em mim gritou. Como eu havia lido recentemente sobre grandes projetos de reflorestamento e arborização urbana bem-sucedidos em outros países, corri para a frente do computador e obedeci ao súbito impulso de abrir um grupo: “Vamos Plantar um Milhão de Árvores na Costa do Descobrimento”.

Foi como jogar uma semente num solo muito fértil. Logo, Ixtaliy, uma grande amiga, com quem eu já conversava muito sobre o assunto, entrou em contato comigo e imediatamente abraçou a causa com o fervor e entusiasmo que só ela tem. Não tardou para que outros amigos, conhecidos e desconhecidos começassem a se juntar ao movimento. Fizemos mutirões, construímos um viveiro, plantamos e cuidamos de várias mudas, organizamos ações de limpeza comunitárias e eventos beneficentes. Com as primeiras ações, logo mudamos o nome do grupo para “Estamos Plantando um Milhão de Árvores na Costa do Descobrimento”. Em pouco tempo, iniciava o Coletivo Verdejar.

Ano passado, nos tornamos oficialmente a Associação Socioambiental Verdejar d’Ajuda, cuja visão é “plantar um milhão de mudas semeando uma nova consciência socioambiental e honrando o compromisso com as gerações presentes e futuras”. Pode parecer ambicioso, mas não tenho dúvidas de que, mais cedo ou mais tarde, com muito trabalho, persistência e perseverança e mais gente se juntando a nos, o que já está acontecendo, nossa visão se realizará. Já temos vários projetos em andamento. Será apenas o começo de uma peregrinação sem fim. Sei disso porque, anos atrás, minha vida mudou completamente. Graças a uma árvore que me chamou. Agora, ela está chamando por você também.

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