A Mensagem das Corujas

 A Mensagem das Corujas

  No espaço de poucos meses, ontem foi a terceira vez que recebi uma visita ilustre. Na primeira, ouvi um barulho no segundo andar e fui ver o que era. Lá estava ela, com sua postura de rainha, empoleirada na armação do mosquiteiro, não muito grande, mas tampouco pequena, a plumagem em tons de ferrugem com algumas manchas, os olhos intensos, redondos e amarelos, olhando fixamente para mim, enquanto uma das gatinhas rondava, avaliando suas chances, buscando meios de devorar a presa. Tirei a gata do quarto e voltei. A corujinha começou a voar de cá para lá, parou e uma vez mais ficou me acompanhando com o olhar inquisidor e a cabeça que girava, antes de recomeçar a voar, buscando por uma saída. Consegui afugentá-la para o banheiro, o único aposento com janela sem tela. Coloquei um incenso, fechei a porta, como recomendou uma amiga bióloga e, depois de um tempo, voltei para constatar que ela tinha ido embora. 

 Na segunda vez, não ouvi barulho algum, apenas a descobri morta no chão do banheiro, ou talvez uma parente dela, pois me pareceu um pouco menor. Não tinha conseguido escapar da voracidade de minhas amigas felinas, o que me entristeceu. Achei que talvez fosse uma só e não receberia novas visitas depois disso, mas estava enganada. Ontem voltou a acontecer, ouvi os barulhos de luta, subi correndo as escadas, lá estava outra, da mesma família, igualzinha à primeira, ou quiçá até a mesma, na bancada da janela do banheiro, com sua postura magnânima de quem sabe das coisas ocultas. Logo abaixo, Cléo, minha gata preta, espreitava como uma pantera, pulando silenciosamente do chão para a pia e dali para a tampa do vaso sanitário. Não afeita à violência, dei-lhe um tapa leve, para que se afastasse, o que funcionou por um pouquinho, mas logo veio de novo, totalmente indiferente a mim, focadíssima e faminta. Assustada, a coruja se pôs a voar até bater contra a tela de uma das janelas, caindo ao chão, com a gata prestes a pular em cima. Consegui evitar o bote mortal e tomei a corujinha entre as mãos. Primeiro, ela se rebelou, tentou escapar, mas eu a segurei com delicadeza e firmeza. Logo, ficou muito quietinha, olhando para mim como quem mira o oceano. Levei-a até o fundo do jardim, onde ouvi outros seres da escuridão, e soltei-a em cima de uma árvore, o que a fez se precipitar em voo rasante sobre mim e sumir na noite.

 Ficou o momento sagrado, o encontro de almas, a troca de olhares, a presença frágil e poderosa, a sensação suave de ter sido visitada pela magia. Depois, lendo sobre ela, redescobri a simbologia, que eu já conhecia, e qualquer um pode intuir, mas que sempre é bom relembrar. Na mitologia grega, a coruja era mascote de Atena, deusa da sabedoria e da guerra. Ela é símbolo de sabedoria e do conhecimento intuitivo, por conseguir ver na noite, e a cabeça que gira simboliza a flexibilidade mental, a capacidade de enxergar situações de diversos ângulos. Ela também é conhecida como mensageira da morte, que traz notícias noturnas, das profundezas, do incógnito, das mudanças por vir. 

 Anos atrás, tive um sonho que nunca esqueci, em que me aproximei lentamente de um mirante e, de repente, bem à minha frente, erguendo-se do abismo, me deparei com uma árvore repleta de corujas de todos os tamanhos. Ao acordar, senti o coração expandido de quem havia sido tocada pelo inefável. Era um sinal, ainda que não soubesse exatamente do que. Pode ser que minhas visitantes sejam foragidas da astúcia assassina de minhas gatas, encurraladas na emboscada do quarto, o que acho mais provável, ou corajosas exploradoras, decididas e entrar no aposento por uma janela mínima, apesar da presença das predadoras. Qualquer que seja a razão delas aparecerem, nossos destinos se cruzaram. Estou aberta às suas lições.

 A primeira delas, com certeza, é muito clara: as corujas querem ser ouvidas. Para cada árvore que cai indiscriminadamente, aumentando os números alarmantes de desmatamento, a contínua degradação da vegetação faz com que inúmeras espécies de animais diurnos e noturnos percam seus lares. Com a perda da biodiversidade, perdemos alimentos e as reservas de água doce se tornam cada vez mais escassas. Além disso, que já é terrível, perdemos também a possibilidade, vivenciada e transmitida como ensinamento por muitos de nossos ancestrais dos povos originários, de nos comunicarmos e aprendermos com a natureza. É um futuro sombrio que já está se manifestando, mas ainda podemos reverter se fizermos as mudanças necessárias. Se não despertarmos, se cada um não fizer a sua parte, não será por falta de avisos que lidaremos com um meio-ambiente cada vez mais hostil. Afinal, o que queremos para nossas vidas e para as próximas gerações? Se ainda não o soubermos, vale a pena começar a escutar as mensagens das corujas.

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